Sempre
acredito no potencial dos escritores brasileiros. Às vezes, a arte nacional é
muito polarizada: cenário musical dominado por funk e sertanejo; cinema
dominado por comédias de baixa qualidade; literatura dominada por romances
adolescentes e livros de youtubers. Nesse cenário, é extremamente
satisfatório descobrir obras como O Espadachim de Carvão (Affonso
Solano, 2013): uma original e criativa história de fantasia, envolvendo
elementos de artes marciais, terras fantásticas e aventura por lugares
desconhecidos.
Adapak é
um jovem de origem divina que possui grandes talentos de espadachim, mas que
agora luta por sua vida, escapando de inimigos desconhecidos. Em sua jornada
para salvar o próprio pescoço, ele acaba conhecendo o mundo dos mortais e
descobre grandes verdades sobre o seu obscuro passado.
Os
personagens e a grande variedade de espécies surpreendem. Claro, é necessária
bastante atenção por parte do leitor para não se perder em meio a tantos nomes
como mellat, ushariani e ïnnarianos. Todavia, para os que
conseguem acompanhar bem o ritmo da aparição dos personagens, o universo criado
se torna bastante rico e promissor. Destaque, claro, para o personagem
principal, Adapak, que possui múltiplas camadas, sendo, ao mesmo tempo, um
jovem ingênuo e um notável espadachim. Outros, como Barutir, a capitã Sirara, a
tripulação do navio, etc, são bem desenvolvidos e merecem atenção por parte do
leitor. Senti falta apenas de um desenvolvimento maior para o personagem Telalec
(em minha opinião, o mais promissor de toda a obra). A sua resolução me pareceu
apressada e, talvez, um pouco preguiçosa.
O ritmo
da narrativa é bom e prende atenção do leitor. As sequências são desenvolvidas de
forma dinâmica, e não me recordo de ter ficado entediado em nenhuma parte. A história
é pontuada por flashbacks que nos explicam as origens de Adapak, e isso é feito
de maneira competente – embora eu considere a utilização desse recurso
extremamente linear (tempo presente, flashback, tempo presente, flashback...). Em
alguns momentos, porém, a exposição não é feita com o devido cuidado. Algumas
sequências são expositivas demais – um personagem explicando tudo de forma mastigada
para outro – enquanto outras não são críveis – o que dizer de um sábio que
explica a origem do mundo para uma criança de 4 anos (ciclos) de idade, dentro
de uma fantasmagórica e escura caverna?
O livro
possui, de fato, alguns problemas de originalidade. Por exemplo: as espadas que
possuem em seu interior relíquias trigêmeas, pertencentes a três irmãs, que
lembram as Relíquias da Morte de Harry Potter; a relação que existe
entre as espadas de Adapak e Telalec, que lembra também a relação entre as
varinhas de Harry Potter e Lord Voldemort; os arcos que lembram o aparelho que
faz com que o Neo, do filme Matrix, aprenda kung-fu e tantas
outras coisas. No geral, porém, o livro possui bastante originalidade e ousadia
na criação de seu universo. O final – sem usar spoilers aqui – consegue também
surpreender, embora o twist não seja de todo inesperado.
O
Espadachim de Carvão é uma
grata surpresa literária nacional. Com bons personagens, universo bem
construído e trama envolvente, o livro é sem dúvidas uma forte recomendação da
literatura de fantasia nacional. Embora derrape um pouco na originalidade e no
desenvolvimento de alguns personagens, a obra possui qualidade e me faz acreditar
mais ainda no potencial dos escritores nacionais em criar literatura de gênero
de alto nível.
Nota: ✩✩✩✩
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