Spoilers
moderados
O que faz
uma boa distopia é a sua capacidade de, utilizando-se de um mundo fictício e de
situações grotescas, exageradas, inverossímeis, nos fazer pensar em nosso
próprio mundo e na realidade em que vivemos. Quando a obra distópica é
eficiente, nós logo reconhecemos às críticas que ela faz à sociedade. Se o
brilhantismo dessa crítica consegue atravessar as décadas, se mantendo sempre
atual, então essa distopia é ainda mais relevante. E é por ter essas
características principais (proximidade com nosso mundo e uma crítica atemporal),
além de não nos prometer um final feliz, mas apenas a realidade (fantasiada
de ficção), é que eu considero 1984 (George Orwell, 1949) a melhor
distopia de todos os tempos.
O que Orwell
já havia iniciado em A Revolução dos Bichos (1945) toma sua conclusão
nesta obra: de forma brilhante, o autor expõe a perversão do governo, que deixa
de ser um servidor do povo governado para se tornar um escravizador, vigiando
cada passo, cada movimento, cada pensamento de seus cidadãos, a fim de
localizar qualquer fagulha de rebelião, ou meras divergências ideológicas, para
logo em seguida extirpar tal perigo da sociedade, da forma mais cruel e
desumana possível.
Em um
Estado totalitário e controlador, onde as liberdades individuais não existem e
onde os cidadãos são constantemente vigiados, Winston Smith, um funcionário de
baixo escalão do governo, decide rebelar-se contra a ordem vigente. Aliando-se
a Julia e auxiliado por O’Brien, funcionário de alto escalão, Winston almeja
iniciar a revolução. Fatalmente, porém, ele descobrirá que aquilo em que ele
acredita pode não ser verdade, e que o poder do Grande Irmão é muito maior do
que ele poderia imaginar.
Nesta
obra, somos apresentados a três personagens principais, que iniciam a história
como aliados em busca de uma rebelião: Winston, um desolado funcionário
público; Julia, militante do Partido, mas que tem em si também um desejo de
rebeldia; e O’Brien, o funcionário de alto escalão. Logo, porém, o jogo vira e
descobrimos que o aliado O’Brien é, na verdade, o grande antagonista, e os
outros dois personagens, que se acreditavam senhores da situação, se veem à
mercê do Partido e de seus métodos (pouco ortodoxos) de alinhamento
intelectual. O Partido, esse grande ente que tudo domina, exerce a eterna busca
daquilo que O’Brien chama de “o poder pelo poder, poder puro”.
Os
paradoxos são claros: o Ministério da Paz, que se ocupa de fazer guerras; o
Ministério da Verdade, que falsifica informações; o Ministério da Pujança, que
lida com a escassez de alimentos. O próprio lema do Partido (“Guerra é Paz,
Liberdade é Escravidão, Ignorância é Força) explicita o caráter contraditório
do governo. Para além disso, a obra traz termos que se consagraram na cultura
popular: novilíngua, duplipensar e, claro, o terrível Quarto 101, onde os
maiores medos dos homens se tornam reais.
1984 é um livro cruel, impactante, desolador
e, o mais importante, assustadoramente atual. Ele demonstra a que ponto o
controle da sociedade pode chegar, e como todas as atitudes – boas ou más,
submissas ou revoltosas – podem ser conduzidas meramente por desejo dos
governantes, a fim de perpetuar o seu plano de poder. Não há esperança, não há
redenção: o Grande Irmão sempre vence. E no fim,
todos nós o amamos.
Nota: ✩✩✩✩✩
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