Quando
se fala das grandes distopias, vem à mente obras como 1984 (George Orwell, 1949), Admirável Mundo Novo (Aldous Huxley,
1932) e Fahrenheit 451 (Ray
Bradbury, 1953). O objeto desta crítica, Laranja
Mecânica (Anthony Burgess, 1962) não fica de fora dessa lista, sendo uma
das distopias mais importantes do século XX e que ainda hoje suscita grandes
debates – tendo sido imortalizada nas telas do cinema pelo brilhante filme de
Stanley Kubrick, de 1971.
Alex é um adolescente delinquente de uma
Londres distópica que passa os seus dias cometendo pequenos crimes junto com
sua gangue – algo a que eles se referem como “ultraviolência”. Após ser preso, contudo,
Alex é submetido ao experimental Tratamento Ludovico para ser “curado” de sua
violenta obsessão. É nesse momento, porém, que começa o seu suplício.
A
leitura do livro, propositalmente, é desafiadora: o narrador (o próprio Alex)
utiliza-se de seu próprio dialeto (chamado de nadsat), que consta de inúmeras gírias, neologismos e repetições, e
que é, a princípio, confusa. Esse é o propósito do autor: mergulhar-nos na
estranheza de seu mundo e da natureza de Alex. Com o tempo, a narrativa se
torna mais familiar e vamos nos habituando à forma de falar do narrador – que,
aliás, é parcial e não necessariamente confiável.
O
autor não se furta em chocar o leitor; tudo está presente neste livro:
espancamentos, sexo com garotas alcoolizadas, estupros, assaltos, homicídios e
qualquer tipo de violência gratuita que se possa imaginar. A obra,
naturalmente, causou muita polêmica logo de início por esses e outros aspectos.
Todavia, a ultraviolência e os elementos perturbadores não são o aspecto
principal do livro; antes, são elementos que servem à belíssima trama retratada
nas páginas da obra de Burgess.
Os
personagens são marcantes: Alex, o Nosso
Humilde Narrador, é um jovem delinquente repleto de camadas e que com
frequência nos surpreende com suas deliberações a respeito da vida e de seus
atos. Ele inicia o livro como um vilão, na segunda parte se torna uma vítima e,
por fim, se converte numa espécie de herói sem, contudo, mudar seu próprio
jeito de ser. Além dele, temos os drugues
de Alex; Deltoid, o assistente social; o Dr. Brodsky; o Ministro do Interior; o
escritor F. Alexander, que redige o original Laranja Mecânica que aparece durante a história; entre outros, cada
um com seu espaço e com um papel relevante.
Por
fim, resta a grande discussão da obra: a natureza violenta de homem e as
sutilezas da liberdade de escolha. É válido um Estado promover a segurança de
sua população, privando-a de sua liberdade, transformando os indivíduos em
zumbis sem capacidade de decisão? É permitido a um governo tentar mudar a mente
dos seus cidadãos, a fim de promover o “bem comum”? Qual é a grande maldade,
afinal: o ato individual de violência ou o cerceamento total da liberdade da
população?
Laranja Mecânica é
um grande clássico da literatura mundial que atravessa a barreira do tempo e se
apresenta extremamente atual para qualquer um que o leia. Por trás de uma
carregada narrativa e de elementos chocantes, encontra-se uma fantástica
história sobre as nuances da natureza humana e dos fundamentos da liberdade de
escolha. De sua leitura, depreendem grandes questionamentos que ainda hoje
pairam sobre a sociedade, tornando a obra uma das mais importantes de todos os
tempos.
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