Spoilers
moderados
A
literatura de terror possui grandes expoentes famosos – vide o relativamente
recente Stephen King, extremamente bem-sucedido. Muitos livros de terror e
ficção científica marcam época e se tornam ícones de toda uma geração
literária. Alguns poucos, porém, ultrapassam essa barreira, saindo inclusive
dos limites das páginas, passando a habitar os mais variados debates sociais.
Ao lado de Frankenstein ou o Moderno Prometeu (Mary Shelley, 1818) e Drácula
(Bram Stoker, 1897), O Médico e o Monstro (Robert Louis Stevenson,
1886) é uma das mais importantes obras de terror de todos os tempos.
Na soturna Londres da segunda metade do
século XIX, o advogado Utterson decide investigar as relações de seu cliente, o
respeitável Dr. Jekyll, com um estranho indivíduo que atende pelo nome de Sr.
Hyde, envolvido em uma série de situações estranhas e por vezes violentas. No
decorrer da trama, porém, Utterson acaba descobrindo mais do que queria e se vê
às voltas com um terrível caso médico.
Posso
iniciar os comentários a respeito dessa excelente obra falando sobre sua
influência na cultura popular. O argumento do “outro eu” que assume todas as
maldades (que nada mais são do que o íntimo desejo) do “indivíduo principal”,
desenvolvido por Stevenson, influenciou várias outras obras – desde o seu
contemporâneo O Retrato de Dorian Gray (Oscar
Wilde, 1890), onde Dorian Gray possui um retrato que “sofre” as
degenerescências em seu lugar, até o mais recente filme Clube da Luta, onde (alerta de spoiler!) o narrador cria o alter
ego Tyler Durden, que é o reflexo de tudo o que ele, em seu íntimo, desejava
ser.
A
narrativa é rica e bem detalhada: somos imersos no ambiente onde a trama se
desenvolve – uma descrição sombria da capital inglesa no fim da Era Vitoriana.
Porém, mais do que uma simples descrição dos locais, temos uma ambientação que
rompe as barreiras físicas, pois a cidade parece ter uma fantasmagórica aura
espiritual que corrobora os temores e dúvidas de seu personagem principal,
enquanto os fatos se desenrolam e aprofundam ainda mais o mistério.
De
fato, o livro e sua trama já são bem conhecidos do público em geral, de modo
que seu mistério central, em geral, já está elucidado para todos. As figuras do
socialmente respeitável e bem sucedido Dr. Jekyll e de seu “outro eu” Sr. Hyde,
repugnante em aparência e em atitude, já nos são familiares. O que torna a obra
relevante, portanto, são os inúmeros debates que ainda hoje são suscitados por
suas páginas. A ideia do monstro que vive dentro de cada um de nós, podendo se
despertar a qualquer instante, nos levando a abandonar as convenções sociais, é
algo que nos assusta – e muito.
O médico e o monstro é
uma relevante história de terror que ultrapassa as barreiras do gênero e
influencia, ainda hoje, a cultura popular. É uma narrativa envolvente que nos
leva a refletir a respeito da profunda e dúbia natureza humana e nos coloca de
frente com nossos próprios “monstros interiores”. Decorridos mais de cem anos,
é uma história relevante e que ainda suscita questões e debates e –
honestamente – levanta mais perguntas do que responde.
Nota:
✩✩✩✩✩
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