Registrar o amor na literatura é, em geral,
uma árdua tarefa. Se o romance não for elaborado com habilidade, ele acaba
descambando para a pieguice (em livros como Cinquenta Tons de Cinza). Muita técnica, porém, pode tornar o
romance pouco crível, frio, distante da realidade. Em O Morro dos Ventos Uivantes (Emily Brontë, 1847), porém, a tarefa
foi executada com maestria: temos aqui o ápice do romance.
Ao
chegar à Granja da Cruz do Tordo, o Sr. Lockwood decide conhecer os vizinhos do
Morro dos Ventos Uivantes. Intrigado com a estranha família e o ar taciturno de
seu anfitrião, Heathcliff, o Sr. Lockwood pede à Sra. Dean, sua governanta, que
lhe conte a história daquelas pessoas. Assim, ele é apresentado a um belo e
profundo drama familiar, que o leva a refletir sobre os extremos desse complexo
sentimento chamado amor.
Emily Brontë inovou o estilo de narrativa
introduzindo múltiplos narradores em sua história. O texto é narrado sempre em
primeira pessoa, mas por diferentes personagens: Lockwood, Isabella, Catherine,
Heathcliff, mas, principalmente, por Ellen Dean, que acompanha os
acontecimentos desde criança – uma vez que sua própria mãe já trabalhava para
uma das famílias da trama – e é quem faz o elo entre os fatos que permeiam toda
a trama. Cada narrador possui suas características próprias, seu jeito de falar
e sua forma de ver o mundo, o que torna cada segmento extremamente crível e
humano: nos convencemos de que aquelas pessoas realmente testemunharam os fatos
ali relatados.
O livro possui excelentes personagens, todos
muito bem trabalhados. Muitos deles nos são apresentados desde sua infância
(Heathcliff, Catherine, Hindley, Edgar, Isabella) e conhecemos profundamente
suas motivações, o caminho que percorreram para chegar à vida adulta e como se
deu a ruína de cada um deles – sim, a história consegue ser imensamente triste. (Isso não é um spoiler! O livro
inicia nos mostrando o fúnebre retrato daquela realidade, nos deixando curiosos
desde o início). Até mesmo os personagens secundários, como Joseph e Kenneth,
possuem seu espaço para um maior desenvolvimento. O lugar de destaque, claro,
fica para Heathcliff, o arquétipo do anti-herói, que age de forma fria e cruel
para se vingar de tudo e de todos, mas que possui motivações mais que humanas.
A obra é, também, um belo retrato da
sociedade inglesa na passagem do século XVIII para o século XIX. Mais importante,
porém, é a característica mais atemporal do livro: um retrato humano e palpável
do amor, em sua forma mais egoísta,
cínica, nociva, mas também mais real. Aqui não há sutilezas, pois o amor leva
os personagens a decisões catastróficas, altamente questionáveis: ora
permissivos demais, ora egoístas demais. É o amor sem retoques, triste e belo
ao mesmo tempo. Destaco, principalmente, o trecho da confissão de seu amor por
Heathcliff que a personagem Cathy faz à Sra. Dean: “Nelly, Eu sou Heathcliff”.
O amor não fica mais belo que isso.
O
Morro dos Ventos Uivantes é uma história fundamental de amor, que
acompanha a evolução dos relacionamentos humanos ao longo das vidas de seus
personagens: surgimento da paixão, decepção, ressentimento, vingança, dor. O
grande mérito do livro, além de seus relevantes aspectos técnicos, é sua
proximidade com a realidade do sentimento. Tanta beleza e tanta técnica reunidas só
poderiam, de fato, criar um dos mais belos romances
de todos os tempos.
Nota: ✩✩✩✩✩
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