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23 de agosto de 2016

[CRÍTICA] O Morro dos Ventos Uivantes (Emily Brontë, 1847)

Registrar o amor na literatura é, em geral, uma árdua tarefa. Se o romance não for elaborado com habilidade, ele acaba descambando para a pieguice (em livros como Cinquenta Tons de Cinza). Muita técnica, porém, pode tornar o romance pouco crível, frio, distante da realidade. Em O Morro dos Ventos Uivantes (Emily Brontë, 1847), porém, a tarefa foi executada com maestria: temos aqui o ápice do romance.

Ao chegar à Granja da Cruz do Tordo, o Sr. Lockwood decide conhecer os vizinhos do Morro dos Ventos Uivantes. Intrigado com a estranha família e o ar taciturno de seu anfitrião, Heathcliff, o Sr. Lockwood pede à Sra. Dean, sua governanta, que lhe conte a história daquelas pessoas. Assim, ele é apresentado a um belo e profundo drama familiar, que o leva a refletir sobre os extremos desse complexo sentimento chamado amor.


Emily Brontë inovou o estilo de narrativa introduzindo múltiplos narradores em sua história. O texto é narrado sempre em primeira pessoa, mas por diferentes personagens: Lockwood, Isabella, Catherine, Heathcliff, mas, principalmente, por Ellen Dean, que acompanha os acontecimentos desde criança – uma vez que sua própria mãe já trabalhava para uma das famílias da trama – e é quem faz o elo entre os fatos que permeiam toda a trama. Cada narrador possui suas características próprias, seu jeito de falar e sua forma de ver o mundo, o que torna cada segmento extremamente crível e humano: nos convencemos de que aquelas pessoas realmente testemunharam os fatos ali relatados.

O livro possui excelentes personagens, todos muito bem trabalhados. Muitos deles nos são apresentados desde sua infância (Heathcliff, Catherine, Hindley, Edgar, Isabella) e conhecemos profundamente suas motivações, o caminho que percorreram para chegar à vida adulta e como se deu a ruína de cada um deles – sim, a história consegue ser imensamente triste. (Isso não é um spoiler! O livro inicia nos mostrando o fúnebre retrato daquela realidade, nos deixando curiosos desde o início). Até mesmo os personagens secundários, como Joseph e Kenneth, possuem seu espaço para um maior desenvolvimento. O lugar de destaque, claro, fica para Heathcliff, o arquétipo do anti-herói, que age de forma fria e cruel para se vingar de tudo e de todos, mas que possui motivações mais que humanas.

A obra é, também, um belo retrato da sociedade inglesa na passagem do século XVIII para o século XIX. Mais importante, porém, é a característica mais atemporal do livro: um retrato humano e palpável do amor, em sua forma mais egoísta, cínica, nociva, mas também mais real. Aqui não há sutilezas, pois o amor leva os personagens a decisões catastróficas, altamente questionáveis: ora permissivos demais, ora egoístas demais. É o amor sem retoques, triste e belo ao mesmo tempo. Destaco, principalmente, o trecho da confissão de seu amor por Heathcliff que a personagem Cathy faz à Sra. Dean: “Nelly, Eu sou Heathcliff”. O amor não fica mais belo que isso.

O Morro dos Ventos Uivantes é uma história fundamental de amor, que acompanha a evolução dos relacionamentos humanos ao longo das vidas de seus personagens: surgimento da paixão, decepção, ressentimento, vingança, dor. O grande mérito do livro, além de seus relevantes aspectos técnicos, é sua proximidade com a realidade do sentimento. Tanta beleza e tanta técnica reunidas só poderiam, de fato, criar um dos mais belos romances de todos os tempos.


Nota: ✩✩✩✩✩

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