Sempre achei que existe uma beleza indescritível
no simples, no cotidiano, no ordinário. É uma tarefa complexa fazer o que é
normal aos nossos olhos parecer marcante; todavia, quando tal trabalho é bem
feito, cria-se uma obra que é cativante por ser próxima de nossa realidade.
Vivenciar em um livro o dia-a-dia, tão comum a todos nós, é algo que nos
aproxima da história e de seus personagens. E é exatamente isso que vemos aqui
em Éramos Seis (Maria José Dupré,
1943).
Lola
é uma pacata dona de causa paulista, casada com Júlio e mãe de quatro filhos. Encontrando-se
só, ao fim de sua vida, ela nos narra a história de sua família, desde o
começo, quando era formada por seis membros, passando por todos os
acontecimentos que tiraram dela aqueles que ela mais amava.
A história de Éramos Seis é comum e sem grandes reviravoltas: trata-se aqui de um
drama familiar, abordando a história de uma família pobre de São Paulo, formada
por seis pessoas (Lola, a mãe e narradora, o pai, Júlio, e os quatro filhos,
Carlos, Alfredo, Isabel e Julinho). Esse é, na verdade, o grande charme do livro – construir uma história
emocionante através de aspectos comuns do dia-a-dia de uma família da primeira
metade do século XX. O crescimento das crianças, as travessuras entre irmãos,
dívidas a pagar, a chegada à adolescência e à vida adulta, a perda, tudo isso
está bem retratado aqui.
Os personagens são bem trabalhados, inclusive
aqueles secundários – Durvalina, Tia Emília, Clotilde, etc. Destaco
especialmente uma parte que acho fantástica: a descrição que Lola faz a
respeito da personalidade de D. Genu, que é, para dizer o mínimo, estranha. O
livro nos leva a torcer pela família de Lola, e o leitor fica angustiado nos
momentos mais tensos e tristes da história. Parece que, junto com os
personagens, comemoramos as pequenas vitórias e lamentamos as perdas que se
colocam no caminho da família.
A normalidade e o caráter ordinário da
história, porém, nem sempre funcionam adequadamente. A narrativa da personagem
Lola às vezes se arrasta profundamente, e não acontece nada de empolgante
durante longas páginas. Da mesma forma, certas divagações que ela faz a
respeito da vida e de sua realidade parecem não se encaixar bem no livro, e nem
mesmo condizem com sua personalidade. De qualquer modo, são problemas pequenos,
se comparados à beleza da obra.
Éramos
Seis
é um clássico da literatura brasileira que tem como grande mérito criar
personagens marcantes que vivem em um universo familiar a todos nós, e que nos
passam muito bem um retrato da sociedade paulista naquela época de grandes
mudanças culturais (décadas de 20 a 40 do século XX). Embora a narrativa se
arraste em alguns momentos e perca o seu foco noutros, a história é conduzida
de forma competente e o resultado é uma obra cativante e amavelmente relevante.
Nota: ✩✩✩✩
Nenhum comentário:
Postar um comentário