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9 de agosto de 2016

Sobre narrativas em primeira pessoa

A narrativa é o motor de um livro. Se ela vai mal, o livro não anda. E, logo nas primeiras páginas, podemos perceber se o autor tem ou não o talento necessário para realizar uma boa narrativa. As primeiras três ou quatro páginas, em geral, são suficientes para nos mostrar o que podemos esperar do restante da obra. E aqui não há muito mistério: um autor sabe ou não fazer uma boa narrativa – ok, talvez ele consiga ser mediano, o que, de qualquer forma, não o qualifica como bom (leia mais sobre ser bom aqui). Na atualidade, porém, os autores tem preferido abusar da narrativa em primeira pessoa. O resultado tem sido satisfatório? É... bem...


A narrativa em terceira pessoa é, por assim dizer, mais fácil: o narrador pode ser onisciente (conhecedor de todos os fatos), embora possa omitir algo para manter o mistério da trama. Ele pode se afastar dos acontecimentos e narrar tudo com a frieza de um espectador, mas também pode assumir a visão de alguns dos personagens, entregando à narrativa as emoções deste. Enfim, é uma forma narrativa que possui muitas liberdades e possibilidades.

Já a narração em primeira pessoa é desafiadora. O narrador, sendo um dos personagens da história, não pode saber tudo. Ele não é onisciente, não é conhecedor de todos os segredos, e caminha na escuridão, junto com o leitor. Tornar uma narrativa em primeira pessoa verossímil é um desafio: o narrador não pode ser extremamente atento a todos os detalhes, por que ser humano nenhum consegue se prender a tudo em todos os momentos.



Temos o exemplo maravilhoso (que se tornou referência para mim) de O Sol é paraTodos (Harper Lee, 1960). A narradora é a pequena Scout, uma garotinha que nos apresenta os fatos de uma forma extremamente doce e encantadora, exatamente como as crianças fazem ao contar histórias. Às vezes tagarela, às vezes dispersa, mas sempre tocante. Conseguimos sentir claramente o que ela sente, e enxergamos perfeitamente o mundo sob a ótica de uma criança.


Seguindo a tendência YA de criar histórias narradas por protagonistas adolescentes, temos como exemplo Quem é você, Alasca? e O Teorema Katherine (John Green, 2005 e 2006), que possuem uma narrativa mediana. Não encanta, mas não incomoda muito (embora o primeiro livro citado tenha um protagonista chatinho). Quando passamos a livros como O Orfanatoda Srta. Peregrine para Crianças Peculiares (Ransom Riggs, 2011), os problemas ficam maiores: o autor não tem muito talento para conduzir a narrativa em terceira pessoa, pois o protagonista Jacob não consegue sempre soar natural: expositivo ao extremo, em alguns momentos, detalhista demais, em outros – não parece um ser humano real.


Espero que essa tendência da obrigatoriedade de se narrar uma história em primeira pessoa acabe o mais rápido possível. Criar uma boa narrativa em primeira pessoa não é para qualquer um; alguns erram desastrosamente na tentativa – vide o péssimo Cinquenta Tons de Cinza (E. L. James, 2011), que é um dos poucos livros que conseguiu, de fato, me irritar. Alguns dominam bem a arte (como Fernando Sabino e seu belo O Menino no Espelho, de 1982). Os outros – oxalá! – deveriam se contentar em fazer aquilo que conseguem, sob a pena de soarem ridículos.

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