Quando assisti ao
filme The Rock Horror Picture Show (1975)
pela primeira vez, fiquei fascinado. Foi uma agradável surpresa, embora pelos
motivos avessos: o filme é bizarro, sem sentido, satírico, debochado e
propositalmente estranho. Tudo isso,
porém, em conjunto, faz desse filme o meu musical preferido. E, certamente, se
eu fosse citar algum exemplar do universo literário que se assemelhe a tal
filme (incrível, porém bizarro), eu citaria O Guia do Mochileiro das Galáxias (Douglas Adams, 1979).
Arthur Dent é um terráqueo que está às voltas com o
perigo de demolição de sua casa. Seu amigo Ford Prefect (um alienígena
disfarçado de humano), porém, logo lhe mostra que a sua casa é um problema
irrelevante, uma vez que a própria Terra será destruída. Com o desaparecimento
de seu planeta natal, Arthur parte junto de seu amigo para uma incrível (e
estranha) viagem espacial.
Não é uma tarefa
fácil ilustrar a estranheza desse livro: muitos trechos de descrição científica
de equipamentos tecnológicos ultra-avançados (sim, esta é uma ficção científica) parecem propositalmente
incompreensíveis. A narração é pontualmente interrompida por cômicos flashbacks, verbetes do famigerado Guia
do Mochileiro das Galáxias (um livro concebido para auxílio dos viajantes
interestelares) e tantas outras “dispersões”, que testam divertidamente a
capacidade do leitor em manter-se atento ao foco da trama principal.
Sim, este é um livro extremamente divertido. A narrativa é
recheada de sarcasmo, e debocha a todo o momento de instituições humanas,
criando robôs sentimentais, portas que se assemelham àqueles vendedores condescendentes
de loja (que para tudo sorriem), alienígenas apaixonados por burocracia, policiais
intergalácticos truculentos e um colossalmente imbecil Governo Galáctico (não
dá pra esquecer, também, pitadas de humor direcionadas às crenças religiosas
humanas). O Universo retratado nada mais é do que uma extensão comportamental
da Terra recém-destruída.
Os personagens
centrais são icônicos. Os já citados Ford Prefect e Arthur Dent, além de
Trillian e do governante estereotipado Zaphod Beeblebrox formam o quarteto que
é acompanhado de perto pelo depressivo robô Marvin. Todos eles possuem sua função, são bem
retratados e se tornam queridos pelo leitor – embora, claro, sejam tão bizarros
quanto todo o resto da obra.
As inexplicáveis
conveniências e coincidências probabilísticas são divertidas e de fácil
aceitação por parte do leitor, por serem escrachadamente inverossímeis.
Todavia, a obra tem seus pequenos defeitos. A constante interrupção do foco
narrativo chega à beira da irritação em alguns momentos, por que queremos saber
mais da trama, mas ela não avança satisfatoriamente. Falta, de fato, um pouco
de desenvolvimento narrativo, apesar de eu compreender que a complexidade da
história foi sacrificada em prol do conjunto bizarro da obra.
O Guia do Mochileiro das Galáxias é uma obra única, que se tornou parte da cultura pop
devido aos seus personagens marcantes e à sua ácida e sarcástica narrativa.
Mesmo se perdendo às vezes em seu foco dramático e nos deixando a deriva no
decorrer da trama, o livro se mostra como o incrível resultado de uma concepção
de Universo criativa e inteligente do autor, nos levando a reconhecer, naquilo
que está fora de nosso planeta, os traços terráqueos mais marcantes.
Nota: ✩✩✩✩
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